Domingo, 22 de Junho de 2008

A Senhora do Mel

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(Nota :

Chegados de novo a Lisboa, e antes de embarcarmos para nova Viagem-em-Fotos, vamos fazer uma curta pausa, para vos apresentarmos um pequeno Conto de nossa autoria ) :

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O Rio tinha escavado, ao longo dos Séculos (em que transportara as torrentes de água dos degelos das neves das montanhas), um promontório formado por um profundo desfiladeiro.

 

Nesse lugar mítico, as gentes da Aldeia mais próxima tinham erguido uma capelinha, dedicada a uma imagem escavada num tronco (que os seus antepassados tinham encontrado a boiar no Rio), e que se assemelhava a uma Santa.

 

Todos os anos, quando os homens partiam para a floresta para recolherem o mel mais gostoso de toda aquela Região, levavam consigo na barcaça a imagem daquela Santa, para protege-los naquelas duras viagens por entre rápidos da forte corrente.

 

Na realidade, o Mel que tão arduamente iam colher, era o seu único rendimento extra (pois viviam do cultivo de legumes, em hortas de socalcos, e da criação de alguns animais).

 

Tudo faziam para que a colheita daquele precioso líquido e a chegada de regresso daquela viagem, coincidisse com o dia em que se celebrava o aparecimento da Santa.

 

Quanto estavam a dois dias do final da  jornada, acendiam uma grande fogueira, para que os seus familiares na Aldeia soubessem da sua chegada.

 

Estes, começavam então a enfeitar a íngreme escadaria escavada na rocha (que vinha da margem do rio, onde se formara uma pequena praia) até ao cimo do promontório, com belas flores colhidas pelos campos. No dia aprazado, montavam no terreiro da Capelinha, várias bancas de venda de Mel (uma por cada família) pois, nesse dia, muitas pessoas dos arredores se deslocavam àquele Local para assistirem à procissão, às Festividades e para comprarem mel (e seus derivados) para todo o ano.

 

Chegada a barcaça, desembarcavam em primeiro lugar a Santa (que os homens mais fortes carregavam em ombros pela escada florida acima), seguidos de todos os outros que transportavam os cestos com os favos de mel. Entretanto, as mulheres, tinham acendido uma enorme fogueira, sobre a qual apoiavam um grande pote de barro, para derreterem o mel. À chegada da Santa ao terreiro, os sinos da Capela começavam a repicar e, depois de darem uma volta para que a imagem abençoasse a fogueira, recolhiam-na à Capela. Os restantes homens despejavam os cestos com os favos para dentro do pote e, enquanto o mel derretia, iam-se entretendo a comer uns petiscos, assados nas brasas da fogueira.

 

Ti Mercês tinha ido, logo  de manhã cedinho, montar a sua banca coberta pelo melhor lençol que tinha em casa. Quando a barcaça chegou, estranhou não ver o seu homem mas, como a sua vista já não alcançava o mesmo que em nova, pensou que ele estaria encoberto pelos outros. Só quando chegaram todos cá acima e continuou sem o ver, é que começou a chegar-lhe uma angústia (que se confirmou quando o melhor amigo do seu marido lhe veio comunicar que ele tinha caído ao rio na viagem, batido com a cabeça numa rocha, e não tinha havido salvação possível).

 

Refugiou-se chorando debaixo da sua banca, mas a Festa logo continuou, pois dela dependiam todas as restantes Famílias.

 

Foi pensando nas colmeias herdadas dos seus antepassados, que agora ficavam abandonadas na montanha, pois seu homem não lhe tinha deixado descendencia.

 

E como iria sobreviver no rígido Inverno, sem mel para vender, para fazer grogue ou mezinhas caseiras, e sem cera para se alumiar. A falta de saúde também já não ajudava a cuidar da horta e, sem a força do seu Homem, não conseguiria tirar dela o suficiente para a sua subsistência, quanto mais para alimentar os animais.

 

Quando, muito tempo depois, despertou desses seus negros pensamentos, pensou que seu homem ainda tivesse conseguido colher alguns favos e que, portanto, ainda teria direito a algum mel pelo menos para aquele ano.

 

Mas, quando chegou junto do caldeirão, encontrou-o vazio, pois já tinham repartido o mel por todos os restantes. Perguntou ao Chefe da Aldeia pelo seu mel, mas este disse-lhe que o marido tinha tido o acidente à ida para a Montanha e que, portanto não tinha chegado a colher mel nenhum pelo que, os outros, atrasados como estavam por terem que parar para o sepultarem nas margens do Rio, não tiveram tempo para colher o mel dele.

 

Ainda tentou mendigar algum mel junto de seus vizinhos e amigos, mas estavam todos tão sôfregos com o pouco mel que tinham conseguido colher naquele ano, que logo lhe diziam mal chegar para eles quanto mais para repartir.

 

Então, Ti Mercês, foi à sua banca, retirou-lhe o lençol por si bordado quando ficou noiva, embrulhou-se nele e, chegada ao ponto mais alto do desfiladeiro, atirou-se para o Rio (que só conseguia ver como um grande pote de mel), para poder assim juntar-se ao seu Companheiro de tantos e tantos anos de labutas em comum.

 

Seu corpo foi encontrado tempos depois, sereno, incrivelmente intacto, sem uma beliscadura. Os Aldeões, arrependidos, resolveram esculpir a sua imagem num tronco, e levarem-no para a Capela. Mas, só quando a colocaram junto à Santa original é que verificaram, arrepiados, as profundas semelhanças existentes entre ambas.

 

      F    I    M

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Picareta Escribante

publicado por picareta escribante às 18:55
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