Sexta-feira, 29 de Novembro de 2013
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Mário Raínho :
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(retirado com a devida vénia, de "Molduras de Poemas de Fado")
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(retirado, com a devida vénia, de "Amália, a Poesia & os Poetas")
Quinta-feira, 28 de Novembro de 2013
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Ludovico Ariosto :
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Soneto XXV :
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Que bela sois, senhora! Tanto, tanto,
que por mim nunca vi cousa mais bela!
Contemplo a fronte e penso que uma estrela
a meu caminho dá seu brilho santo.
Contemplo a boca e pairo no encanto
do sorriso tão doce que é só dela;
olho o cabelo de ouro e vejo aquela
rede que amor me impôs com terno canto.
É de terso alabastro o colo, o peito,
os braços mais as mãos, e finalmente
quanto de vós se vê ou se adivinha.
E embora seja tudo assim perfeito,
permiti que vos diga ousadamente:
mais perfeita era a fé que em vós eu tinha.
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Tradução de David Mourão-Ferreira
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(retirado, com a devida vénia, de "Vicio da Poesia")
Quarta-feira, 27 de Novembro de 2013
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Alexandre Vargas :

Deus, num ápice :
Levanta-se Deus não bebe o leite das galáxias
mas café forte da negra noite circundante
e sumo solar em planetas e laranjas
com ovos estrelados céu translúcido de glória.
No prato cósmico espeta o garfo de Neptuno
e de Vulcano esquenta logo o banho rápido
nebuloso espírito paira prévio sobre as águas
depois do vinho e pão, outros deuses mesmo lume.
Leva a bandeja para a cozinha fica diante
da mesa de ardósia a barca o diário
que regista, ouvindo as notícias da rádio:
“No princípio era o Verbo”, transcreve para o livro do dia antes
de tirar o sobretudo da cruzeta, sair à pressa,
cria Deus o universo num verso.
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(retirado, com a devida vénia, de "Serpente Emplumada")
Terça-feira, 26 de Novembro de 2013
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Avec le temps – Léo Ferré :
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Com o tempo tudo vai embora
Esquecemos o rosto e esquecemos a voz
O coração, quando deixa de bater, já não vale a pena ir
Procurar mais longe é preciso deixar e tudo bem
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Com o tempo
Com o tempo tudo vai embora
O outro que adorávamos que procurávamos à chuva
O outro que imaginávamos na sombra de um olhar
Entre as palavras nas entrelinhas e no cansaço
De um sermão maquiado que segue para a noite
Com o tempo tudo desvanece
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Com o tempo
Com o tempo tudo vai embora
Mesmo as recordações mais ternas tem um desses momentos
Na galeria eu vasculho as prateleiras da morte
No sábado à noite quando a ternura parte sozinha
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Com o tempo
Com o tempo tudo vai embora
O outro em que acreditávamos por um frio, por um nada
O outro a quem dávamos o vento e joias
Por quem teríamos vendido a alma por algumas moedas
À frente de quem rastejávamos como rastejam os cães
Com o tempo tudo se resolve
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Com o tempo
Com o tempo tudo vai embora
Esquecemos as paixões e esquecemos as vozes
Que sussurravam palavras de gente pobre
Não volte muito tarde, sobretudo não apanhe frio
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Com o tempo
Com o tempo tudo vai embora
E sentimo-nos pálidos com um cavalo cansado
E sentimo-nos gelados numa cama ao relento
E sentimo-nos sós, mas talvez conformados
E sentimo-nos enganados pelos anos perdidos
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Então verdadeiramente
Com o tempo deixamos de amar.
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(retirado, com a devida vénia, de "Minhas Poesias Preferidas")
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Frédéric Mistral :
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Mirèio (excerto):
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I.
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LOTUS FARM
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I sing the love of a Provençal maid;
How through the wheat-fields of La Crau'' she strayed,
FoUowing the fate that drew her to the sea.
TJnknown beyond remote La Crau was she;
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And I, whotell the rustic taie of her,
Would fain be Homer's humble follower.
What though youth's auréole was her only crown?
And nevergold she wore nor damask gown ?
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I'11 build her up a throne out of my song,
And bail her queenin our despisèd tongue.
Mine be the simple speech that ye ail know,
Shepherds and farmer-folk of lone La Crau.
...
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(retirado, com a devida vénia, de "Scribd")
Segunda-feira, 25 de Novembro de 2013
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Disse-te adeus e morri
E o cais vazio de ti
Aceitou novas marés.
Gritos de búzios perdidos
Roubaram dos meus sentidos
A gaivota que tu és.
Gaivota de asas paradas
Que não sente as madrugadas
E acorda à noite a chorar.
Gaivota que faz o ninho
Porque perdeu o caminho
Onde aprendeu a sonhar.
Preso no ventre do mar
O meu triste respirar
Sofre a invenção das horas,
Pois na ausência que deixaste,
Meu amor, como ficaste,
Meu amor, como demoras.
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(retirado, com a devida vénia, de "Palavras que me tocam")
Domingo, 24 de Novembro de 2013
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Juliusz Slowacki :
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"A tristeza é um livro sábio que se tem no coração e que nos diz centenas de coisas
- impede-nos de apodrecer como um cogumelo debaixo de uma árvore;
pouco a pouco vai fabricando uma provisão de ensinamentos para a vida."
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(retirado, com a devida vénia, de "Citador")
Sábado, 23 de Novembro de 2013
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João Cabral de Melo Neto :
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A Vicente do Rego Monteiro (João Cabral de Melo Neto - 1920-1999) :
Eu vi teus bichos
mansos e domésticos:
um motociclo
gato e cachorro.
Estudei contigo
um planador,
volante máquina,
incerta e frágil.
Bebi da aguardente
que fabricaste,
servida às vezes
numa leiteira.
Mas sobretudo
senti o susto
de tuas surpresas.
E é por isso
que quando a mim
alguém pergunta
tua profissão
não digo nunca
que és pintor
ou professsor
(palavras pobres
que nada dizem
de tais surpresas);
respondo sempre:
- É inventor,
trabalha ao ar livre
de régua em punho,
janela aberta
sobre a manhã.
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(retirado, com a devida vénia, de "Um pouco de Poesia")
Sexta-feira, 22 de Novembro de 2013
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Excelsior ! :
Henry Wadsworth Longfellow
(Ballads and Other Poems 1842)
Tradução para o português de Alexei Bueno
A noite com suas sombras cai depressa;
A aldeia alpina aos poucos atravessa
Um jovem, que ergue, em meio à neve em sanha,
Uma bandeira, com a divisa estranha,
Excelsior!
Sua cor é triste, mas sua vista alçada
Lembra uma espada desembainhada,
E a sua voz qual clarim de prata erguida
Lança os sons de uma língua nunca ouvida,
Excelsior!
Casas felizes ele vê, brilhando
Ao fogo quente, familiar e brando;
Mais ao alto espectral geleira ao vento,
E de seus lábios se escapa um lamento,
Excelsior!
“Não tentes a Passagem”, diz-lhe um velho,
“Já ergue a tormenta o seu manto vermelho,
Rugem as águas sem olhar que as sonde!”
E a alta voz de clarim só lhe responde,
Excelsior!
“Oh! fica”, diz-lhe a virgem, “e em meu seio
Deita a fronte cansada sem receio!”
Nubla-lhe um pranto o olhar azul erguido,
Mas ele ainda responde, com um gemido,
Excelsior!
“Teme os galhos na treva borrascosa!
Teme a uivante avalanche pavorosa!”
São o último boa-noite de quem fica,
E uma voz, longe no alto, lhes replica,
Excelsior!
Nascido o sol, no divino resguardo
Dos santos ermitões de São Bernardo
Quando o salmo de sempre é repetido,
Uma voz grita no ar estremecido,
Excelsior!
Na neve um viajor, semi-enterrado,
Pela matilha fiel é encontrado,
Tendo em sua mão de gelo branca e lisa
A bandeira, com a estranha divisa,
Excelsior!
Lá, onde a noite fria e cinza pousa,
Sem vida, mas tão belo, ele repousa,
E do céu, sereníssima e clemente,
Desce uma voz, como estrela cadente,
Excelsior!
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(retirado, com a devida vénia, de "Espaço de Joao Azevedo Junior")
Quinta-feira, 21 de Novembro de 2013
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Eugénio de Andrade :
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Adeus :
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Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
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(retirado, com a devida vénia, de "Citador")