Segunda-feira, 30 de Setembro de 2013
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William Wordsworth :
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ESCRITO NA PONTE DE WESTMINSTER, A 3 DE SETEMBRO DE 1802 :
Não tem a terra nada mais belo para mostrar
Pobre de espírito seria aquele que pudesse ignorar
esta visão tão comovente na sua majestade
Como um traje veste agora esta cidade
a beleza da manhã. Silenciosas e nuas
torres cúpulas navios teatros catedrais a prumo
erguem-se no céu e estendem-se pelas ruas
brilhantes e reluzentes no ar sem fumo
Nunca o sol se ergueu com tanta alma
por sobre vales rochedos e colinas
nunca vi nunca senti uma tão profunda calma
O rio desliza consoante o seu desejo
Meu Deus o casario parece que dorme
Dorme também aquele coração enorme
(retirado, com a devida vénia, de "Poet´anarquista")
Domingo, 29 de Setembro de 2013
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Reinaldo Ferreira (Reporter X):
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Quero um cavalo de várias cores : |
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Quero um cavalo de várias cores,
Quero-o depressa, que vou partir.
Esperam-me prados com tantas flores,
Que só cavalos de várias cores
Podem servir.
Quero uma sela feita de restos
Dalguma nuvem que ande no céu.
Quero-a evasiva - nimbos e cerros -
Sobre os valados, sobre os aterros,
Que o mundo é meu.
Quero que as rédeas façam prodígios:
Voa, cavalo, galopa mais,
Trepa às camadas do céu sem fundo,
Rumo àquele ponto, exterior ao mundo,
Para onde tendem as catedrais.
Deixem que eu parta, agora, já,
Antes que murchem todas as flores.
Tenho a loucura, sei o caminho,
Mas como posso partir sozinho
Sem um cavalo de várias cores? . (retirado, com a devida vénia, de "poesias_e_prosas")
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Sábado, 28 de Setembro de 2013
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Walt Whitman :
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Milagres :
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Ora, quem acha que um milagre é alguma coisa de especial?
Por mim, de nada sei que não sejam milagres:
ou ande eu pelas ruas de Manhattan,
ou erga a vista sobre os telhados
na direcção do céu,
ou pise com os pés descalços
bem na franja das águas pela praia,
ou fale durante o dia com uma pessoa a quem amo,
ou vá de noite para a cama com uma pessoa a quem
/amo,
ou à mesa tome assento para jantar com os outros,
ou olhe os desconhecidos na carruagem
de frente para mim,
ou siga as abelhas atarefadas
junto à colmeia antes do meio-dia de verão
ou animais pastando na campina
ou passarinhos ou a maravilha dos insectos no ar,
ou a maravilha de um pôr-de-sol
ou das estrelas cintilando tão quietas e brilhantes,
ou o estranho contorno delicado e leve
da lua nova na primavera,
essas e outras coisas, uma e todas
— para mim são milagres,
umas ligadas às outras
ainda que cada uma bem distinta
e no seu próprio lugar.
Cada momento de luz ou de treva
é para mim um milagre,
milagre cada polegada cúbica de espaço,
cada metro quadrado da superfície da terra
por milagre se estende, cada pé
do interior está apinhado de milagres.
O mar é para mim um milagre sem fim:
os peixes nadando, as pedras,
o movimento das ondas,
os navios que vão com homens dentro
— existirão milagres mais estranhos?
Walt Whitman, in "Leaves of Grass"
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(retirado, com a devida vénia, de "Citador")
Sexta-feira, 27 de Setembro de 2013
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Rui Knopfli :
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Cair do pano :
As acácias já se incendiaram de vermelho
e o zumbido das cigarras enxameia obsidiante
a manhã de Dezembro. A terra exala,
em haustos longos, o aguaceiro da madrugada.
Ao longe, no extremo distante da caixa
de areia, o monhé das cobras enrola
a esteira e leva o cesto à cabeça,
cumprido o papel exacto que lhe coube
e executou com paciente sageza hindu.
Dura um instante no trémulo contraluz
do lume a que se acolhe, antes da sombra
derradeira. Assim, os comparsas convocados
para esta comédia a abandonam, verso
a verso, consignando-a ao olvido
e à erva daninha que, persistente, a cobrirá
irremediavelmente. O encenador faz
a vénia da praxe e, porque aplausos
lhe não são devidos, esgueira-se pelo
anonimato da esquerda alta. É Dezembro
a encurtar o tempo, o pouco que nos sobra.
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(retirado, com a devida vénia, de "Poetícia")
Quinta-feira, 26 de Setembro de 2013
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Christopher Marlowe :
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"Quem pode dizer que amou sem ter amado à primeira vista ?"
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"Considero a religião como um brinquedo infantil,
e acho que o único pecado é a ignorância."
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"A virtude é a fonte de onde jorra a honra."
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(retirado, com a devida vénia, de "Citador")
Quarta-feira, 25 de Setembro de 2013
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"Marilia de Dirceu" - Tomás António Gonzaga :
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Lira I
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
que viva de guardar alheio gado,
de tosco trato, de expressões grosseiro,
dos frios gelos e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal e nele assisto;
dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
das brancas ovelhinhas tiro o leite,
e mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela.
graças à minha Estrela!
Eu vi o meu semblante numa fonte:
dos anos inda não está cortado;
os Pastores que habitam este monte
respeitam o poder do meu cajado.
Com tal destreza toco a sanfoninha,
que inveja até me tem o próprio Alceste:
ao som dela concerto a voz celeste
nem canto letra, que não seja minha.
Graças, Marília bela.
graças à minha Estrela!
Mas tendo tantos dotes da ventura,
só apreço lhes dou, gentil Pastora,
depois que o teu afeto me segura
que queres do que tenho ser senhora.
É bom, minha Marília, é bom ser dono
de um rebanho, que cubra monte e prado;
porém, gentil Pastora, o teu agrado
vale mais que um rebanho e mais que um trono.
Graças, Marília bela.
graças à minha Estrela!
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(retirado, com a devida vénia, de "Jornal de Poesia")
Terça-feira, 24 de Setembro de 2013
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John Keats :
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Ode a um Rouxinol :
Ode to a Nightingale
Meu coração dói, e um torpor aflige
Meus sentidos, como se ébrio de cicuta,
Ou sorvido algum vapor de ópio
Um minuto passou, e no Letes afunda:
Não é inveja de teu fado feliz,
Mas feliz em tua felicidade -
Tu, lúcida-alada Dríade no bosque,
Em tal melodiosa trama
De faia verde, e de sombras inúmeras,
Cantaste o Verão à plena garganta.
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Ó fruto da vinha! Que repousas
Tanto tempo na profunda terra,
Degustar de flora e verdes campinas
Dança, canção provençal, e diversão,
Ó taça cheia do caloroso Sul,
Cheia de real e rubra Hippocrene,
Com espuma cintilante até a borda
E a manchar a boca de púrpura,
Que beberei, e deixar o mundo não-visto,
E contigo sumir na floresta sombria:
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Afaste, dissolva, e esqueças tudo
O que entre as folhas jamais conheceste,
O tédio, a febre, a irritação
Aqui, onde os homens em gemidos mútuos
Onde o torpor abala tristes cãs,
Onde os jovens pálidos, débeis, morrem,
Onde pensar é ser cheio de mágoas
E desespero no olhar;
Onde a Beleza perde o olhar lustroso,
Ou o Amor gasta-se no dia seguinte.
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Para longe! Eu desejo voar contigo,
Não guiado por Baco, e seus convivas,
Mas nas invisíveis asas da Poesia,
Mesmo que a mente se atrase confusa:
Estarei contigo! Suave é a noite!
E por sorte a Rainha-Lua no trono,
Cortejada por suas brilhantes Fadas;
Mas aqui lua não há
Salvo a brisa que desce do céu
Em penumbras e trilhas sinuosas.
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Não posso ver flores aos meus pés,
Nem o incenso a flutuar sobre os ramos,
Mas, nas trevas suaves, aprecio cada um
Onde a bela estação oferece
A grama espessa, e a árvore silvestre;
O espinheiro-branco, e a flor pastoral;
Violetas a murcharem sob as folhas,
E o broto de plena Primavera,
O almíscar-rosa, de vilho orvalhado,
O zumbir de moscas em tardes de Verão.
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Sombrio eu ouço; e por muito tempo
Meio atraído pela suave morte,
A chamei com nomes doces nas rimas,
Para arrebatar meu fôlego calmo;
Pois parece proveitoso morrer,
À noite, cessar tudo sem dor alguma,
Enquanto derramas toda a tua alma
Em semelhante êxtase!
Cantarias ainda, em vão, meus ouvidos
Ao teu nobre requiém viraram relva.
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Não nasceste para morrer, ave eterna!
Gerações ávidas não te derrubam;
Ouço nesta noite a voz já ouvida
Outrora por imperador e curinga;
Talvez a mesma melodia na trilha
Ao triste coração de Rute, saudosa,
Ansiava o lar, em pranto, no exílio;
O mesmo a encantar outrora
Mágicas janelas, abertas à espuma
De mares bravios, em terras lendárias.
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Desolado! as palavras ressoam
A levar-me de ti à minha solidão!
Adeus! A fantasia não ilude
Como dizem, ela, a falsa ninfa.
Adeus! Adeus! Teu queixoso hino finda
Além das campinas, além dos riachos,
Além das colinas, já sepulto
Nas clareiras do vale próximo;
Foi uma visão, ou um devaneio?
Foi-se a melodia: - acordei ou durmo?
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Trad. livre: Leonardo de Magalhaens
(retirado, com a devida vénia, de "leoleituraescrita")
Segunda-feira, 23 de Setembro de 2013
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Múcio Leão :
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Viver como os pássaros :
Não cuides desta vida, unicamente.
Que importa o que amanhã ireis vestir?
A vida é um bem apenas aparente
E o corpo humano um simples manto triste,
Que se desfaz em poeira lentamente...
Tesouro recôndito, 1926
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(retirado, com a devida vénia, de "Jornal de Poesia")
Domingo, 22 de Setembro de 2013
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William Wordsworth :
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A Character :
I marvel how Nature could ever find space
For so many strange contrasts in one human face:
There's thought and no thought, and there's paleness and bloom
And bustle and sluggishness, pleasure and gloom.
There's weakness, and strength both redundant and vain;
Such strength as, if ever affliction and pain
Could pierce through a temper that's soft to disease,
Would be rational peace--a philosopher's ease.
There's indifference, alike when he fails or succeeds,
And attention full ten times as much as there needs;
Pride where there's no envy, there's so much of joy;
And mildness, and spirit both forward and coy.
There's freedom, and sometimes a diffident stare
Of shame scarcely seeming to know that she's there,
There's virtue, the title it surely may claim,
Yet wants heaven knows what to be worthy the name.
This picture from nature may seem to depart,
Yet the Man would at once run away with your heart;
And I for five centuries right gladly would be
Such an odd such a kind happy creature as he.
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(retirado, com a devida vénia, de "PoemHunter.com")
Sábado, 21 de Setembro de 2013
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Boris Pasternak :
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VERÃO NA CIDADE :
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Conversas a meia voz,
E esse gesto impetuoso
Com que afastas os cabelos
De cima do teu pescoço.
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E sob o brilho do pente
É que aparece o olhar,
Debaixo do capacete
Dos cabelos ondulados.
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A noite quente, lá fora,
Faz prever um aguaceiro.
Dispersam-se os caminhantes,
Matraqueando os passeios.
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Do estrondo da trovoada
Ouve-se rolar o eco.
E o vento faz ondular
As cortinas da janela.
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Vem a seguir o silêncio
Mas sufoca-se, e não cessa,
Intermitente, a presença
Dos relâmpagos no céu.
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Quando por fim a manhã,
Cintilante, vem secar,
Nas bermas e nas valetas,
A água da tempestade,
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Só as tílias seculares,
Cheias de perfume e flor,
Nos olham com o olhar
De quem passou mal a noite.
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Versos de Iuri Jivago (1957)
Tradução de David Mourão-Ferreira
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(retirado, com a devida vénia de "Vicio da Poesia")