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A última carta :
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(tradução e notas de Marcus Salgado)
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O que aconteceu naquela noite? Tua última noite.
Dupla, tripla exposição (1)
De tudo. Viva eu te vi pela última vez
No cair da tarde de sexta-feira
A queimar no cinzeiro com um estranho sorriso
A carta a mim endereçada. Atrapalhei teus planos?
A surpresa chegou antes do previsto?
Minha resposta foi rápida demais?
Uma hora mais tarde e terias rumado
Para onde eu não te pudesse encontrar
E eu teria me afastado de tua porta fechada e vermelha
A que ninguém abriria
Com tua carta na mão,
Um raio que não conseguiu chegar à terra.
Isso para mim teria sido um tratamento de choque
Que se repetiria durante todo o final de semana
Quando eu a lesse ou nela simplesmente pensasse.
Isso teria reordenado meu pensamento e minha vida
O tratamento que planejavas necessitava de tempo
Não posso imaginar como
Teria suportado aquele fim de semana.
Não posso imaginar. Tinhas já tudo planejado?
Tua mensagem chegou bem depressa até mim – no mesmo dia,
Sexta à tarde, postada pela manhã.
Expediram-na os demônios que sempre prevalecem
Esse foi mais um dos lances de má sorte
Que contra ti cometeu o correio
E que se acrescentou a teu fardo. Saí rapidamente pela neve
Já azulada em fevereiro. Anoitecia em Londres.
Chorei de alívio quando abriste a porta.
Confusão de enigmas em solução. Lágrimas precoces
Que não pude interpretar, que fracassaram ao comunicar
Sua verdadeira importância. Porém, o que disseste
Sobre as cinzas ainda fumegantes dessa carta
Destruída com tanto cuidado, com tanta calma,
Permitiu que eu partisse, que eu te deixasse
Para soprares as cinzas de teu plano, do cinzeiro
Sobre o qual te debruçarias para que eu lesse
O número de telefone do médico
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1 Na linguagem fotográfica chama-se dupla ou tripla exposição quando a película é exposta, mais de uma vez, a imagens diferentes, que se sobrepõem. Trata-se de efeito artístico que gera uma aura fantasmagórica na fotografia. [N. do T.]
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(retirado, com a devida vénia, de "Academia Brasileira de Letras")
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circuladô de fulô ao deus ao demodará que deus te guie
porque eu não posso guiá eviva quem já me deu circuladô de
fulô e ainda quem falta me dá
soando como um shamisen e feito apenas com um arame
tenso um cabo e uma lata velha num fim de festafeira no
pino do sol a pino mas para outros não existia aquela música
não podia porque não podia popular aquela música se não
canta não é popular se não afina não tintina não tarantina e
no entanto puxada na tripa da miséria na tripa tensa da mais
megera miséria física e doendo doendo como um prego
na palma da mão um ferrugem prego cego na
palma espalma da mão coração exposto como um nervo
tenso retenso um renegro prego cego durando na palma
polpa da mão ao sol
…
[circuladô de fulô ao deus ao demodará que deus te guie
porque eu não posso guiá eviva quem já me deu
circuladô de fulô e ainda quem falta me dá]
…
o povo é o inventalínguas na malícia da maestria no matreiro
da maravilha no visgo do improviso tenteando a travessia
azeitava o eixo do sol
…
[circuladô de fulô ao deus ao demodará que deus te guie
porque eu não posso guiá eviva quem já me deu
circuladô de fulô e ainda quem falta me dá]
…
e não peça que eu te guie não peça despeça que eu te guie
desguie que eu te peça promessa que eu te fie me deixe
me esqueça me largue me desamargue que no fim eu acerto que
no fim eu reverto que no fim eu conserto e para o fim me
reservo e se verá que estou certo e se verá que tem jeito e se
verá que está feito que pelo torto fiz direito que quem faz
cesto faz cento se não guio não lamento pois o mestre que
me ensinou já não dá ensinamento
…
[circuladô de fulô ao deus ao demodará que deus te guie
porque eu não posso guiá eviva quem já me deu]
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(retirado, com a devida vénia, de "Vicio da Poesia")
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TERROR : . (tradução de Leandro Calle) | ||
A cierto autor leía hasta muy tarde . Y de repente se escuchó un crujido . (retirado, com a devida vénia, de IES A Xunqueira I) |
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Manhã de Junho ardente. Uma encosta escavada,
Sêca, deserta e nua, à beira d'uma estrada.
Terra ingrata, onde a urze a custo desabrocha,
Bebendo o sol, comendo o pó, mordendo a rocha.
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Sôbre uma folha hostil duma figueira brava,
Mendiga que se nutre a pedregulho e lava,
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A aurora desprendeu, compassiva e divina,
Uma lágrima etérea, enorme e cristalina.
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Lágrima tão ideal, tão límpida, que ao vê-la,
De perto era um diamante e de longe uma estrêla.
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Passa um rei com o seu cortejo de espavento,
Elmos, lanças, clarins, trinta pendões ao vento.
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- "No meu diadema, disse o rei, quedando a olhar,
Há safiras sem conta e brilhantes sem par,
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"Há rubins orientais, sangrentos e doirados,
Como beijos d'amor, a arder, cristalizados.
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"Há pérolas que são gotas de mágua imensa,
Que a lua chora e verte, e o mar gela e condensa.
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"Pois, brilhantes, rubins e pérolas de Ofir,
Tudo isso eu dou, e vem, ó lágrima, fulgir
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"Nesta c'roa orgulhosa, olímpica, suprema,
Vendo o Globo a teus pés do alto do teu diadema!"
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E a lágrima deleste, ingénua e luminosa,
Ouviu, sorriu, tremeu, e quedou silenciosa.
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Couraçado de ferro, épico e deslumbrante,
Passa no seu ginete um cavaleiro andante.
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E o cavaleiro diz à lágrima irisada:
"Vem brilhar, por Jesus, na cruz da minha espada!
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"Far-te hei relampejar, de vitória em vitória,
Na Terra Santa, à luz da Fé, ao sol da Glória!
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"E à volta há-de guardar-te a minha noiva, ó astro,
Em seu colo auroreal de rosa e de alabastro.
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"E assim alumiarás com teu vivo esplendor
Mil combates de heróis e mil sonhos d'amor!"
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E a lágrima celeste, ingénua e luminosa,
Ouviu, sorriu, tremeu e quedou silenciosa.
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Montado numa mula escura, de caminho,
Passa um velho judeu, avarento e mesquinho.
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Mulas de carga atrás levavam-lhe o tesoiro:
Grandes arcas de cedro, abarrotadas d'oiro.
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E o velhinho andrajoso e magro como um junco,
O crânio calvo, o olhar febril, o bico adunco,
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Vendo a estrêla, exclamou: "Oh Deus, que maravilha!
Como ela resplandece, e tremeluz, e brilha!
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"Com meu oiro em montão podiam-se comprar
Os impérios dos reis e os navios do mar,
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"E por esse diamante esplêndido trocara
Todo o meu oiro imenso a minha mão avara!"
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E a lágrima celeste, ingénua e luminosa,
Ouviu, sorriu, tremeu, e quedou silenciosa.
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Debaixo da figueira, então, um cardo agreste,
Já ressequido, disse à lágrima celeste:
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"A terra onde o lilaz e a balsamina medra
Para mim teve sempre um coração de pedra.
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"Se a queixar-me, ergo ao céu os braços por acaso,
O céu manda-me em paga o fogo em que me abraso.
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"Nunca junto de mim, ulcerado de espinhos,
Ouvi trinar, gorgear a música dos ninhos.
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"Nunca junto de mim ranchos de namoradas
Debandaram, cantando, em noites estreladas...
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"Voa a ave no azul e passa longe o amor,
Porque ai! Nunca dei sombra e nunca tive flor!...
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"Ó lágrima de Deus, ó astro, ó gota d'água,
Cai na desolação desta infinita mágoa!"
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E a lágrima celeste, ingénua e luminosa,
Tremeu, tremeu, tremeu... e caíu silenciosa!...
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E algum tempo depois o triste cardo exangue,
Reverdecendo, dava uma flor côr de sangue,
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Dum roxo macerado, e dorido, e desfeito,
Como as chagas que tem Nosso Senhor no peito...
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E ao cálix virginal da pobre flor vermelha
Ia buscar, zumbindo, o mel doirado a abelha!...
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(retirado, com a devida vénia, de FM Poesias)
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Canção da Inocência Perdida :
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1
O que a minha mãe dizia
Não pode ser bem verdade:
Que uma vez emporcalhada
Nunca passa a sujidade.
Se isto não vale pra a roupa
Também não vale pra mim.
Que o rio lhe passe por cima
Breve fica branca, assim.
2
Como qualquer pataqueira
Aos onze anos já pecava.
Mas só ao fazer catorze
O meu corpo castigava.
A roupa já estava parda,
No rio a fui mergulhar.
No cesto está virginal
C'mo sem ninguém lhe tocar.
3
Sem ter conhecido algum
Já eu tinha escorregado.
Fedia aos Céus, como uma
Babilónia de pecado.
A roupa branca no rio
Enxaguada à roda, à roda,
Sente que as ondas a beijam:
«Volta-me a brancura toda».
4
Quando o primeiro me amou
Abracei-o eu também.
Senti no ventre e no peito
Ir-se a maldade pra além.
Assim acontece à roupa
E a mim acontecerá.
A água corre depressa,
Sujidade diz: Vem cá!
5
Mas quando os outros vieram
Um ano mau começou.
Chamaram-me nomes feios,
Coisa feia agora sou.
Com poupanças e jejuns
Nenhuma mulher se acalma.
Roupa guardada na arca,
Na arca se não faz alva.
6
E veio depois um outro
No ano que se seguiu.
Vi que me fazia outra
Com o tempo que fugiu.
Mete-a na água e sacode-a!
Há sol, cloreto e vento!
Usa-a, dá-a de presente:
Fica fresquinha a contento.
7
Bem sei: Muito pode vir
'Té que nada por fim. fica.
Só quando ninguém a usa
A roupa se sacrifica.
E uma vez que apodreça
Nenhum rio a embranquece.
Leva-a consigo em farrapos.
Um dia assim te acontece. .(retirado, com a devida vénia, de "Citador")
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Canção da Inocência Perdida :1
O que a minha mãe dizia
Não pode ser bem verdade:
Que uma vez emporcalhada
Nunca passa a sujidade.
Se isto não vale pra a roupa
Também não vale pra mim.
Que o rio lhe passe por cima
Breve fica branca, assim.
2
Como qualquer pataqueira
Aos onze anos já pecava.
Mas só ao fazer catorze
O meu corpo castigava.
A roupa já estava parda,
No rio a fui mergulhar.
No cesto está virginal
C'mo sem ninguém lhe tocar.
3
Sem ter conhecido algum
Já eu tinha escorregado.
Fedia aos Céus, como uma
Babilónia de pecado.
A roupa branca no rio
Enxaguada à roda, à roda,
Sente que as ondas a beijam:
«Volta-me a brancura toda».
4
Quando o primeiro me amou
Abracei-o eu também.
Senti no ventre e no peito
Ir-se a maldade pra além.
Assim acontece à roupa
E a mim acontecerá.
A água corre depressa,
Sujidade diz: Vem cá!
5
Mas quando os outros vieram
Um ano mau começou.
Chamaram-me nomes feios,
Coisa feia agora sou.
Com poupanças e jejuns
Nenhuma mulher se acalma.
Roupa guardada na arca,
Na arca se não faz alva.
6
E veio depois um outro
No ano que se seguiu.
Vi que me fazia outra
Com o tempo que fugiu.
Mete-a na água e sacode-a!
Há sol, cloreto e vento!
Usa-a, dá-a de presente:
Fica fresquinha a contento.
7
Bem sei: Muito pode vir
'Té que nada por fim. fica.
Só quando ninguém a usa
A roupa se sacrifica.
E uma vez que apodreça
Nenhum rio a embranquece.
Leva-a consigo em farrapos.
Um dia assim te acontece. .(retirado, com a devida vénia, de "Citador")
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As tres irmas do poeta :
É Noite! as sombras correm nebulosas.
Vão três pálidas virgens silenciosas
Através da procela irrequieta.
Vão três pálidas virgens... vão sombrias
Rindo colar num beijo as bocas frias...
Na fronte cismadora do Poeta:
"Saúde, irmão! Eu sou a Indiferença.
Sou eu quem te sepulta a idéia imensa,
Quem no teu nome a escuridão projeta...
Fui eu que te vesti do meu sudário...
Que vais fazer tão triste e solitário?..."
- "Eu lutarei!" - responde-lhe o Poeta.
"Saúde, meu irmão! Eu sou a Fome.
Sou eu quem o teu negro pão consome...
O teu mísero pão, mísero atleta!
Hoje, amanhã, depois... depois (qu'importa?)
Virei sempre sentar-me à tua porta..."
-"Eu sofrerei"-responde-lhe o Poeta.
"Saúde, meu irmão! Eu sou a Morte.
Suspende em meio o hino augusto e forte.
Marquei-te a fronte, mísero profeta!
Volve ao nada! Não sentes neste enleio
Teu cântico gelar-se no meu seio?!"
-"Eu cantarei no céu" - diz-lhe o Poeta!
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(retirado, com a devida vénia, de "Pensador")
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O Amor :
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(trad. Geir Campos)
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O Amor, nada o detém:
Não tem porta nem trinco,
Tudo ele vence e vaza.
Sem princípio, bateu
E eternamente bate
Suas eternas asas.
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(retirado, com a devida vénia, de "Amor Através do Tempo")
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Fagundes Varela :
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Ideal :
Não és tu quem eu amo, não és!
Nem Teresa também, nem Ciprina;
Nem Mercedes a loira, nem mesmo
A travessa e gentil Valentina.
Quem eu amo te digo, está longe;
Lá nas terras do império chinês,
Num palácio de louça vermelha
Sobre um trono de azul japonês.
Tem a cútis mais fina e brilhante
Que as bandejas de cobre luzido;
Uns olhinhos de amêndoa, voltados,
Um nariz pequenino e torcido.
Tem uns pés... oh! que pés, Santo Deus!
Mais mimosos que uns pés de criança,
Uma trança de seda e tão longa
Que a barriga das pernas alcança.
Não és tu quem eu amo, nem Laura,
Nem Mercedes, nem Lúcia, já vês;
A mulher que minh'alma idolatra
É princesa do império chinês.
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(retirado, com a devida vénia, de "As Tormentas")
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Neblina :
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(trad.de Álvaro Cabral)
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Estranho é caminhar na densa névoa:
Solitária esta cada planta ou pedra,
Nenhum arbusto enxerga o seu vizinho,
Cada um está só.
Cheio de amigos era, para mim, o mundo
Quando luminosa ‘inda era minha vida;
Agora que a névoa caiu,
Ninguém mais é visível.
Não é deveras um sábio
Quem não conhece a escuridão
Que, suavemente, nos separa
De tudo inexorável.
Estranho é caminhar na densa névoa:
Viver é estar solitário
Entre gente que se ignora.
Todos estamos sós!
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(retirado, com a devida vénia, de "Luso Poemas")
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