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Poema da Despedida - Mia Couto :
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Não saberei nunca
dizer adeus
Afinal,
só os mortos sabem morrer
Resta ainda tudo,
só nós não podemos ser
Talvez o amor,
neste tempo,
seja ainda cedo
Não é este sossego
que eu queria,
este exílio de tudo,
esta solidão de todos
Agora
não resta de mim
o que seja meu
e quando tento
o magro invento de um sonho
todo o inferno me vem à boca
Nenhuma palavra
alcança o mundo, eu sei
Ainda assim,
escrevo.
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On His Blindness - John Milton :
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Sobre a sua Cegueira :
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Quando medito em minha luz perdida,
Nesta tão vasta e mais sombria terra,
E que esse dom que só a Morte cerra
Inútil mora em mim, embora a vida
N´alma me seja ao Criador rendida
E a mais prestar-lhe a conta que não erra,
«A quem, negada a luz, a treva encerra,
Calcula Deus a quotidiana lida?»
Pergunto ansiosamente. E a Paciência
O murmurar me cala: «El´ não precisa
Dos dons de um só em cada humana esfera.
Se El´ convoca os seus fiéis, e com ardência
Que milhar´s correm para onde Ele pisa.
Também O serve aquel´ que fica e espera.»
tradução de Jorge de Sena
in blog de José Maria Alves
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«A Esmola do Pobre» - Júlio Diniz :
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Nos toscos degraus da porta
Da igreja rústica e antiga,
Velha, trémula era a mendiga,
Que implorava compaixão.
Quase um século contado
De atribulada existência,
Ei-la, enferma e na indigência,
Que à piedade estende a mão.
Duas crianças brincavam
Á distância, na alameda;
Uma trajava de seda,
Da outra humilde era o trajar.
Uma era rica, outra pobre;
Ambas louras e formosas;
Nas faces a cor das rosas,
Nos olhos o azul do ar.
A rica ao deixar os jogos,
Vencida pelo cansaço,
Viu a mendiga, e ao regaço
Uma esmola lhe lançou;
Ela recebeu-a, e a criança
Que a socorre compassiva
Em prece fervente e viva
Aos anjos a encomendou.
Dum ligeiro sentimento
De vaidade possuída,
À criança mal vestida
Disse a do rico trajar:
-O prazer de dar esmolas
-A ti e aos teus não é dado
-Pobre como és,c oitado!
-Aos pobres o que hás-de dar?
Então a criança pobre,
Sem mais sombra de desgosto,
Tendo o sorriso no rosto,
Da igreja se aproximou;
E depois, serena, em silêncio,
Ao chegar junto da velha,
Descobrindo-se , ajoelha
E a magra mão lhe beijou.
A mendiga alvoroçada,
Ao colo os braços lhe lança,
E beija a pobre criança,
Chorando de comoção.
É assim que a caridade
Do pobre ao pobre consola,
Nem só da mão sai a esmola,
Sai também do coração.
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La mauvaise réputation - Georges Brassens :
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A má reputação
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Nesta aldeia sem pretensão
Eu tenho má reputação.
Maltrapilho ou engravatado
acham que sou mal comportado.
Porém eu não faço nem mal nem bem
nesta minha vida de zé-ninguém
Mas que vida mais triste tenho
querendo viver fora do rebanho.
Sou insultado por toda a gente,
menos p'los mudos - é evidente.
Quando há festa nacional
fico na cama, isso é fatal.
Porque a música militar
nunca me fará levantar
Porém não me sinto nada culpado
por não gostar de me ver fardado.
Mas os outros não gostam que eu
siga um caminho sem ser o seu.
De dedo em riste todos me acusam
salvo os manetas - porque o não usam.
Quando vejo um ladrão sem sorte
fugir dum chui que é bem mais forte,
meto o pé e com uma rasteira
lá vai o chui pela ribanceira.
Nenhum mal eu faço a quem bem come
deixando escapar um ladrão com fome.
Mas na Guarda Nacional,
não acham isto natural.
Todos correm atrás de mim
menos os-coxos - seria o fim.
Nunca na vida fui profeta
mas sei o fim que se projecta.
Vão-me atar a corda ao pescoço
P'ra me lançarem a um poço.
Porque me fecham nesta redoma?
por o meu caminho não ir dar a Roma.
Mas que vida mais triste tenho
só por viver fora do rebanho.
Todos verão o meu funeral
menos os cegos - é natural.
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Quero Um Sorriso - Nei Duclós :
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Quero um sorriso
que dure uma quadra
e dobre a esquina
a iluminar-me
uma lágrima
sem consolo
que traga um soluço
de dez minutos
um corpo que aperte
com fogo de inferno
uma dor que desperte
um ruído que abra
Qualquer coisa forte
que rasgue
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Hino à alegría - Friedrich Schiller :
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Ode à Alegria
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Alegria bebem todos os seres
No seio da Natureza:
Todos os bons, todos os maus,
Seguem seu rastro de rosas.
Ela nos deu beijos e vinho e
Um amigo leal até à morte;
Deu força para a vida aos mais humildes
E ao querubim que se ergue diante de Deus!
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Versos Íntimos - Augusto dos Anjos :
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Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
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Where Go the Boats - Robert Louis Stevenson :
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PARA ONDE VÃO OS BARCOS?
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Um amor - Nuno Júdice :
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Aproximei-me de ti; e tu, pegando-me na mão,
puxaste-me para os teus olhos
transparentes como o fundo do mar para os afogados. Depois, na rua,
ainda apanhámos o crepúsculo.
As luzes acendiam-se nos autocarros; um ar
diferente inundava a cidade. Sentei-me
nos degraus do cais, em silêncio.
Lembro-me do som dos teus passos,
uma respiração apressada, ou um princípio de lágrimas,
e a tua figura luminosa atravessando a praça
até desaparecer. Ainda ali fiquei algum tempo, isto é,
o tempo suficiente para me aperceber de que, sem estares ali,
continuavas ao meu lado. E ainda hoje me acompanha
essa doente sensação que
me deixaste como amada
recordação.
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"The Panther" - Rainer Maria Rilke :
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A PANTERA
Rainer Maria Rilke
(Trad. José Paulo Paes)
(No Jardin des Plantes, Paris)
Seu olhar, de tanto percorrer as grades,
está fatigado, já nada retém.
É como se existisse uma infinidade
de grades e mundo nenhum mais além.
O seu passo elástico e macio, dentro
do círculo menor, a cada volta urde
como que uma dança de força: no centro
delas, uma vontade maior se aturde.
Certas vezes, a cortina das pupilas
ergue-se em silêncio. – Uma imagem então
penetra, a calma dos membros tensos trilha –
e se apaga quando chega ao coração.
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