Terça-feira, 31 de Julho de 2012
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VALSA DA DESPEDIDA (Farwell Waltz) - Robert Burns :
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Adeus, amor, eu vou partir
Ouço ao longe um clarim
Mas, onde eu for, irei sentir
Os teus passos junto a mim
Estando em luta, estando a sós
Ouvirei a tua voz
A luz que brilha em teu olhar
A certeza me deu
De que ninguém pode afastar
O meu coração do teu
No céu, na terra, aonde for
Viverá o nosso amor
Segunda-feira, 30 de Julho de 2012
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José Basílio da Gama :
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A uma mulher natural do Rio De Janeiro...
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Já, Marfiza cruel, que não maltrata
Saber que usas comigo de cautelas,
Quínda te espero ver, por causa delas,
Arependida de ter sido ingrata.
Com o tempo, que tudo desbarata,
Teus olhos deixarão de ser estrelas;
Verás murchar no rosto as faces belas,
E as tranças doiro converter-se em prata.
Pois se sabes que a tua formosura
Por fôrça há de sofrer da idade os danos.
Por que me negas hoje esta ventura?
Guarda para seu tempo os desenganos,
Gozemo-nos agora, enquanto dura
Já que dura tão pouco, a flor dos anos.
Domingo, 29 de Julho de 2012
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Cansaço - Hannah Arendt :
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Tarde caindo —
Um suave lamento
soa nos pios dos pássaros
que convoquei.
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Muros cinzentos
desmoronam.
Minhas próprias mãos
encontram-se novamente.
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O que amei
não posso manter.
O que me cerca
não posso deixar.
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Tudo declina
enquanto cresce a escuridão.
Não me domina —
deve ser o curso da vida.
Sábado, 28 de Julho de 2012
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- Só esta liberdade nos concedem os Deuses - Ricardo Reis (Heterónimo de Fernando Pessoa) :
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Só esta liberdade nos concedem
Os deuses: submetermo-nos
Ao seu domínio por vontade nossa.
Mais vale assim fazermos
Porque só na ilusão da liberdade
A liberdade existe.
Nem outro jeito os deuses, sobre quem
O eterno fado pesa,
Usam para seu calmo e possuído
Convencimento antigo
De que é divina e livre a sua vida.
Nós, imitando os deuses,
Tão pouco livres como eles no Olimpo,
Como quem pela areia
Ergue castelos para encher os olhos,
Ergamos nossa vida
E os deuses saberão agradecer-nos
O sermos tão como eles.
Sexta-feira, 27 de Julho de 2012
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Niño Viejo- Reinaldo Arenas :
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Aquela criança de sempre
Sou esse menino desagradável,
sem dúvida inoportuno,
de cara redonda e suja,
que fica nos faróis,
onde as grandes damas tão bem iluminadas,
ou onde as meninas que parecem levitar,
projetam o insulto de suas caras redondas e sujas.
Sou uma criança solitária,
que o insulta como uma criança solitária,
e o avisa:
se por hipocrisia você tocar na minha cabeça,
aproveitarei a chance para roubar-lhe a carteira.
Sou aquela criança de sempre,
que provoca terror,
por iminente lepra,
iminentes pulgas, ofensas,
demônios e crime iminente.
Sou aquela criança repugnante,
que improvisa uma cama de papelão
E espera, na certeza,
que você me acompanhará.
Quinta-feira, 26 de Julho de 2012
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Le Pont Mirabeau - Guillaume Apollinaire :
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Sob esta ponte passa o rio Sena
e o nosso amor
lembrança tão pequena
sempre o prazer chegava após a pena
Chega a noite a hora soa
vão-se os dias vivo à toa
Mãos dadas nós fiquemos face a face
enquanto sob
a ponte dos braços passe
de eternas juras tédio que se enlace
Chega a noite a hora soa
vão-se os dias vivo à toa
E vai-se o amor como água corre atenta
e vai-se o amor
ai como a vida é tão lenta
e como só a esperança é violente
Chega a noite a hora soa
vão-se os dias vivo à toa
Dias semanas passam à desena
nem tempo volta
nem nosso amor nossa pena
sob esta ponte passa o rio Sena
Chega a noite a hora soa
vão-se os dias vivo à toa
Tradução de Jorge de Sena
Quarta-feira, 25 de Julho de 2012
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Monólogo del ladrón de sueños - Jacinto Benavente :
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La noche es mi reino, y en la noche las almas, al sumergirse en el profundo mar del sueño, entre sus sombras, exploran la verdad de su vida, como los submarinos al sumergirse bajo las aguas turbulentas observan más seguros la ruta de los barcos sobre ellas navegantes. Y en este reino de la noche, poblado de almas en letargo, soy el Ladrón de los Sueños, minador de luz, captador de verdades, tesoros que los hombres, más cobardes que avaros, ocultan y guardan hasta de sí mismos, sin pararse a contarlos, sin querer saber sobre ellos, aunque yo los muestre a sus ojos, más cerrados despiertos que dormidos. Como en las noches de la ciudad, de calle en calle va el farolero rasgando la oscuridad con pinchazos de luz, así yo por la ciudad de los sueños rasgo de claridad las almas que, a la luz de sus sueños, pudieran conocerse y saber de sí mismas si al despertar no fuera para ellas caer en sueño más profundo: el de no querer saber nunca la verdad de su vida. Hoy se ha entrado la ciencia por mis dominios con gran aparato investigador; mas, como siempre, antes que los hombres de ciencia supieron los poetas las verdades del misterioso abismo de mi reino. Como los cuerpos, para su descanso, se desnudan de vestiduras al acostarse, también al dormir para soñar se desnudan las almas, y si pudieran así hablar y entenderse unas con otras, nadie se engañaría en la vida. Una mujer y un hombre van a hablarse así ahora, sin saber ellos mismos que hablan ellos, desnudas sus almas en la desnuda verdad de sus deseos. Al despertar lo habrán olvidado todo; volverán al engaño, a la mentira, entre sospechas y traiciones, entre miedos y sombras. Animador de luz, captador de verdades, la noche es mi reino; soy el Ladrón de los Sueños.
Terça-feira, 24 de Julho de 2012
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Ismália - Alphonsus de Guimaraens :
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Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar
Viu uma lua no céu,
Viu uma lua no mar.
No sonho em que se perdeu
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu.
Queria descer ao mar...
E no desvário seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava perto do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...
Segunda-feira, 23 de Julho de 2012
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Saudade - Pablo Neruda :
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Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...
Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...
Saudade é sentir que existe o que não existe mais...
Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...
Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.
E esse é o maior dos sofrimentos:
não ter por quem sentir saudades,
passar pela vida e não viver.
O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido.
Domingo, 22 de Julho de 2012
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Este Inferno de Amar - Almeida Garrett :
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Este inferno de amar – como eu amo!
Quem mo pôs aqui n’alma… quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é vida – e que a vida destrói.
Como é que se veio atear,
Quando – ai se há-de ela apagar?
Eu não sei, não me lembra: o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez… foi um sonho.
Em que a paz tão serena a dormi!
Oh! Que doce era aquele olhar…
Quem me veio, ai de mim! Despertar?
Só me lembra que um dia formoso
Eu passei… Dava o Sol tanta luz!
E os meus olhos que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus.
Que fez ela? Eu que fiz? Não o sei;
Mas nessa hora a viver comecei…
Por instinto se revela,
Eu no teu seio divino
Vim cumprir o meu destino...
Vim, que em ti só sei viver,
Só por ti posso morrer.