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SONETO DE MAL AMAR
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Invento-te recordo-te distorço
a tua imagem mal e bem amada
sou apenas a forja em que me forço
a fazer das palavras tudo ou nada.
A palavra desejo incendiada
lambendo a trave mestra do teu corpo
a palavra ciúme atormentada
a provar-me que ainda não estou morto.
E as coisas que eu não disse ? Que não digo :
Meu terraço de ausência meu castigo
meu pântano de rosas afogadas.
Por ti me reconheço e contradigo
chão das palavras mágoa joio e trigo
apenas por ternura levedadas.
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J.C. Ary dos Santos
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CANÇÃO DA FELICIDADE
(Ideal de um Parisiense)
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Felicidade ! Felicidade !
Ai quem ma dera na minha mão !
Não passar nunca da mesma idade,
Dos 25, do quarteirão.
Morar, mui simples, nalguma casa
Toda caiada, defronte o Mar;
No lume, ao menos, ter uma brasa
E uma sardinha pra nela assar...
Não ter fortuna, não ter dinheiro,
Papéis no Banco, nada a render :
Guardar, podendo, num mealheiro
Economia pró que vier.
Ir, pelas tardes, até à fonte
Ver as pequenas a encher e a rir,
E ver entre elas o Zé da Ponte
Um pouco torto, quase a cair.
Não ter quimeras, não ter cuidados
E contentar-se com o que é seu,
Não ter torturas, não ter pecados,
Que, em se morrendo, vai-se pró Céu !
Não ter talento; suficiente
Para na Vida saber andar,
E quanto a estudos saber somente
(Mas ai somente!) ler e contar.
Mulher e filhos ! A Mulherzinha
Tão loira e alegre, Jesus ! Jesus !
E, em nove meses, vê-la choquinha
Como uma pomba, dar outra à luz.
Oh ! grande vida, valha a verdade !
Oh ! grande vida, mas que ilusão !
Felicidade ! Felicidade !
Ai quem me dera na minha mão !
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António Nobre
Paris - 1892
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P O E S I A S I
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Dorme sobre o meu seio,
Sonhando de sonhar...
No teu olhar eu leio
Um lúbrico vagar,
Dorme no sonho de existir
E na ilusão de amar.
Tudo é nada, e tudo
Um sonho finge ser.
O ´espaço negro é mudo.
Dorme, e, ao adormecer,
Saibas do coração sorrir
Sorrisos de esquecer.
Dorme sobre o meu seio,
Sem mágoa nem amor...
No teu olhar eu leio
O íntimo torpor
De quem conhece o nada-ser
De vida e gozo e dor.
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Fernando Pessoa
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P O B R E Z I N H A
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Nas nossas duas sinas tão contrárias
Um pelo outro somos ignorados :
Sou filha de regiões imaginárias,
Tu pisas mundos firmes já pisados.
Trago no olhar visões extraordinárias
De coisas que abracei de olhos fechados...
Em mim não trago nada, como os párias...
Só tenho os astros, como os deserdados...
E das tuas riquezas e de ti
Nada me deste e eu nada recebi,
Nem o beijo que passa e que consola.
E o meu corpo, minh´alma e coração
Tudo em risos pousei na tua mão !...
...Ah ! como é bom, um pobre dar esmola !...
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Florbela Espanca
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S O N E T O S X I
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Altos pinheiros septuagenários
E ainda empertigados sobre a serra !
Sois os enviados extraordinários,
E embaixadores de El-Rei Pã, na Terra.
À noite, sob aqueles lampadários,
Conferenciais com ele...Há paz? Há guerra?
E tomam notas vossos secretários,
Que o Livro Verde secular encerra.
Hirtos e altos, Tayllerands dos montes !
Tendes a linha, não vergais as fontes
Na exigência da Corte, ou beija-mão !
Voltais aos Homens com desdém a face...
Ai oxalá ! que Pã me despachasse
Adido à vossa estranha Legação !
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António Nobre - 1888
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LISBON BY NIGHT
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Sexofone saxofome
aqui jazz a humanidade
sepulcro de pedra pomes
duma pseudo euro-cidade.
Antro de feras criadas
entre manteiga e obuses
cansadíssima corrida
de modernas avestruzes.
Na cave do cio soa
um rumor acutilante
faca-pássaro que voa
em seu espaço percutante.
Sexofone saxofome
agulha de tédio e ritmo
ninguém ouve ninguém come
a noite não tem princípio.
Mancebos de longas tranças
enforcados em gravatas
vão depauperando as danças
com os pés aristocratas.
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J. C. Ary dos Santos
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S O N E T O
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Servem-me os desgostos p´ra meus versos.
Se eles não foram como então poderia
ter este belo prazer de me queixar !
Ter esta exaltação, esta alegria
de saldar a minh´alma com palavras,
demover o meu mal com fantasia...
De todas as fraquezas me redimo,
de todos os desgostos me consolo,
se pela escrita os justifico e os estimo;
se uma teoria explicativa evolo
e em doce verso a metrifico e rimo.
Então dest´arte, a minha mágoa isolo
(ou marco-lhe intervalo ou nova pausa),
que a causa, só, do sofrimento nosso
é não achar do sofrimento a causa.
E é tudo quanto sei, ou quanto posso !
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Mário Saa
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R U Í N A S
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Se é sempre Outono o rir das primaveras,
Castelos, um a um, deixa-os cair...
Que a vida é um constante derruir
De palácios do Reino das Quimeras !
E deixa sobre as ruínas crescer heras.
Deixa-as beijar as pedras e florir !
Que a vida é um contínuo destruir
De palácios do Reino das Quimeras !
Deixa tombar meus rútilos castelos !
Tenho ainda mais sonhos para erguê-los
Mais altos do que as águias pelo ar !
Sonhos que tombam ! Derrocada louca !
São como beijos duma linda boca !
Sonhos !... Deixa-os tombar...deixa-os tombar...
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Florbela Espanca
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S O N E T O S IX
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Quando vem Junho e deixo esta cidade,
Batina, Cais, tuberculosos céus,
Vou para o Seixo, para a minha herdade :
Adeus, Cavaco e luar ! Choupos, adeus !
Tomo o regime do Sr. Abade,
E faço as pazes, ele o quer, com Deus.
No seu direito olhar vejo a bondade,
E às capelinhas vou ver os Judeus.
Que homem sem par ! Ignora o que são dores !
Para ele uma ramada é o pálio verde,
Os cachos de uva são as suas flores !
Ao seu passal chama ele o Mundo todo...
Sr. Abade ! olhe que nada perde :
Viva na Paz, longe do lodo.
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António Nobre
Coimbra, 1890
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A S F É R I A S
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Era uma rosa azul de água amarrada
um palácio de cheiros um terraço
e uma jarra de amigos derramada
de casa até ao mar como um abraço.
Era a intensa e clara madrugada
com cigarras dormindo no regaço
e a ampulheta do sono defraudada
no tempo cada dia mais escasso.
Era um país de urzes e lilases
de tardes sonolentas espreguiçando
um aroma de nardos pelo chão
e bandos de meninas e rapazes
corrend amando rindo e adiando
a minha inexorável solidão.
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J. C. Ary dos Santos
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