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Uma palavra vem - dos signos brota
apercebida vida, abrupto senso,
o sol detém-se, esferas são silentes,
e tudo se concentra à sua volta.
Uma palavra - brilho, voo, fogo,
língua de chama, estrela cadente
- e a treva monstruosa que regressa
no vácuo espaço entre mim e o mundo.
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Gottfried Benn
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..............HORAS RUBRAS..................
Horas profundas, lentas e caladas,
Feitas de beijos sensuais e ardentes,
De noites de volúpia, noites quentes
Onde há risos de virgens desmaiadas...
Oiço as olaias rindo desgrenhadas...
Tombam astros em fogo, astros dementes,
E do luar os beijos languescentes
São pedaços de prata plas estradas...
Os meus lábios são brancos como lagos...
Os meus braços são leves como afagos.
Vestiu-os o luar de sedas puras...
Sou chama e neve branca e misteriosa...
E sou, talvez, na noite voluptuosa,
Ó meu Poeta, o beijo que procuras !
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Florbela Espanca
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.........................P A L Á C I O E M R U Í N A S...............................
Todo enterrado na sombra escura de um parque triste, mortificado,
Há o meu palácio cheio de luto, há o meu palácio lúgubre e só :
Tem sombras mudas deambulando, vagas e lentas, sem um cuidado,
Nascem ortigas pelos terraços, andam as mesas cheias de pó.
Eu tinha cisnes, brancos e pretos, nos lagos calmos, entre roseiras,
E tinha pombas, e tinha pombas, brancas e mansas, no meu pombal,
E à porta nobre, lindas, viçosas, frescos abraços de trepadeiras...
Laranjas de oiro, cobertas de oiro, no mar escuro de um laranjal.
Eu tinha tudo quanto o Desejo, nas fantasias mais provocantes,
Quanto o Desejo mais esquisito q´ria e pensava realizar,
Tinha na vida rápidos sonhos, tinha na vida leves instantes,
Leves instantes, rápidos sonhos, feitos apenas p´ra me encantar !
Mas tudo, um dia, foi arrastado na asa sombria do meu Destino...
Morrem as pombas, morrem os cisnes, secam os lagos - pobre de mim !
Caem de podres os frutos de oiro que me encantavam desde menino,
Murcham as rosas e as trepadeiras, numa agonia que não tem fim !
E no palácio por onde outrora tinham passado, entre grandezas,
Cheios de jóias, cheios de sedas, cobertos de oiro, celestiais,
Corpos altivos de imperatrizes, corpos esbeltos de arquiduquesas,
Lindos de pompa, lindos de graça, lindos de tudo, quase imortais,
No meu palácio todo enterrado num parque triste, mortificado,
No meu palácio frio de luto, no meu palácio lúgubre e só,
Há sombras mudas deambulando, vagas e lentas, sem um cuidado,
Nascem ortigas pelos terraços, cobrem as mesas ondas de pó !
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Alfredo Pimenta
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RETRATO DE ALVES REDOL
Porém se por alguém não foi ninguém
cantou e disse flor canção amigo
a si o deve. A si e mais a quem
floriu cresceu cantou lutou consigo.
Hmem que vive só não vive bem
morto que morre só é negativo
morrer é separar-se de ninguém
e contudo com todos ficar vivo.
Nado-vivo da morte. É isso. É isso.
Uma espécie de forno de bigorna
de corpo imorredoiro que transforma
em fusão o metal do compromisso :
Forjar o conteúdo pela forma :
marrar até norrer. E dar por isso.
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J. C. Ary dos Santos
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M A I S A L T O
Mais alto, sim ! mais alto, mais além
Do sonho, onde morar a dor da vida,
Até sair de mim ! Ser a Perdida,
A que se não encontra ! Aquela a quem
O mundo não conhece por Alguém !
Ser orgulho, ser águia na subida,
Até chegar a ser, entontecida,
Aquela que sonhou o meu desdém !
Mais alto, sim ! Mais alto ! A Intangível
Turris Ebúrnea erguida nos espaços
À rutilante luz dum impossível !
Mais alto, sim ! Mais alto ! Onde couber
O mal da vida dentro dos meus braços,
Dos meus divinos braços de Mulher !
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Florbela Espanca
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P O E S I A S I
Dorme sobre o meu seio,
Sonhando de sonhar...
No teu olhar eu leio
Um lúbrico vagar.
Dorme no sonho de existir
E na ilusão de amar.
Tudo é nada, e tudo
Um sonho finge ser.
O ´spaço negro é mudo.
Dorme, e, ao amanhecer,
Saibas do coração sorrir
Sorrisos de esquecer.
Dorme sobre o meu seio,
Sem mágoa nem amor...
No teu olhar eu leio
O íntimo torpor
De quem conhece o nada-ser
De vida e gozo e dor.
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Fernando Pessoa
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AUTO-RETRATO
Poeta é certo mas de cetineta
fulgurante de mais para alguns olhos
bom artesão na arte da proveta
marciso de lombardas e repolhos.
Cozido à portuguesa mais as carnes
suculentas da auto-importância
com toicinho e talento ambas as partes
do meu caldo entornado na infância.
Nos olhos uma folha de hortelã
que é verde como a esperança que amanhã
amanheça de vez a desventura.
Poeta de combate disparate
palavrão de machão no escaparate
porém morrendo aos poucos de ternura.
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J. C. Ary dos Santos
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De AVE DO SILÊNCIO
Sobre a paisagem verde
ficou uma sombra
- a sombra do meu vulto
a erguer-se em silêncio
e a sumir-se pela terra dentro.
E a luz que a perde
e a queima, a própria luz
a revela ao oculto,
- e assim me crucifico
na minha própria cruz.
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António de Navarro
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M E N D I G A
Na vida nada tenho e nada sou;
Eu ando a mendigar pelas estradas...
No silêncio das noites estreladas
Caminho, sem saber para onde vou !
Tinha o manto do sol... quem mo roubou ? !
Quem pisou minhas rosas desfolhadas ? !
Quem foi que sobre as ondas revoltadas
A minha taça de oiro espedaçou ?
Agora vou andando e mendigando,
Sem que um olhar de mundos infinitos
Veja passar o verme, rastejando...
Ah ! quem me dera ser como os chacais
Uivando os brados, rouquejando os gritos
Na solidão dos ermos matagais ! ...
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Florbela Espanca
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SONHO ORIENTAL
Sonho-me ás vezes rei, nalguma ilha,
Muito longe, nos mares do Oriente,
Onde a noite é balsâmica e fulgente
E a lua cheia sobre as águas brilha...
O aroma da magnólia e da baunilha
Paira no ar diáfano e dormente...
Lambe a orla dos bosques, vagamente,
O mar com finas ondas de escumilha...
E enquanto eu na varanda de marfim
Me encosto, absorto num cismar sem fim,
Tu, meu amor, divagas ao luar,
Do profundo jardim pelas clareiras,
Ou descansas debaixo das palmeiras,
Tendo aos pés um leão familiar.
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Antero de Quental
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