.
P O S L Ú D I O
Dos meus sonhos o urdume redoirado
Por meu sangue passei.
Nesse sumptuoso e fúnebre brocado
Meu ser amortalhei.
E que resta dos faustos no moimento ?
Tudo os dias consomem.
Nem um eco sequer do meu lamento,
Pobre coração de homem.
.
Alberto Osório de Castro
.
.
N O I T I N H A
A noite sobre nós se debruçou...
Minha alma ajoelha, põe as mãos e ora !
O luar, pelas colinas, nesta hora,
É água dum gomil que se entornou..
Não sei quem tanta pérola espalhou !
Murmura alguém pelas quebradas fora...
Flores do campo, humildes, mesmo agora,
A noite os olhos brandos lhes fechou...
Fumo beijando o colmo dos casais...
Serenidade idílica das fontes,
E a voz dos rouxinóis nos salgueirais...
Tranquilidade...calma...anoitecer
Num êxtase, eu escuto pelos montes
O coração das pedras a bater...
.
Florbela Espanca
.
.
S O N E T O
Está o lascivo e doce passarinho
Com o biquinho as penas ordenando;
O verso sem medida, alegre e brando,
Expedindo no rústico raminho;
O cruel caçador (que do caminho
Se vem calado e manso desviando)
Na pronta vista a seta endireitando,
Lhe dá no Estígio lado eterno ninho.
Dest´arte o coração, que livre andava,
(Posto que já de longe destinado)
Onde menos temia, foi ferido.
Porque o Frecheiro cego me esperava,
Para que me tornasse descuidado,
Em vossos claros olhos escondido.
.
Luís de Camões
.
.
C A N T I G A
Como está sereno o céu !
Como sobe mansamente
A Lua resplandecente,
E esclarece este jardim !
Os ventos adormeceram;
Das frescas águas do rio
Interrompe o murmúrio
De longe o som de um clarim.
Acordam minhas ideias,
Que abrangem a Natureza,
E esta nocturna beleza
Vem meu estro incendiar.
Mas se à lira lanço a mão,
Apagadas esperanças
Me apontam cruéis lembranças,
- E choro em vez de cantar.
.
Marquesa de Alorna
.
.
NA MESA DO SANTO OFÍCIO
Tu lhes dirás, meu amor, que nós não existimos.
Que nascemos da noite, das árvores, das nuvens.
Que viemos, amámos, pecámos e partimos
Como a água das chuvas.
Tu lhes dirás, meu amor, que ambos nos sorrimos
Do que dizem e pensam
E que a nossa aventura,
É no vento que passa que a ouvimos,
É no nosso silêncio que perdura.
Tu lhes dirás, meu amor, que nós não faltaremos
E que enterrámos vivo o fogo que nos queima.
Tu lhes dirás, me amor, se for preciso,
Que nos espreguiçaremos na fogueira.
.
J. C. Ary dos Santos
.
.
SAUDADES DO CÉU
- Ó mãe, quem semeou tantas estrelas
Nesse abismo que estás a contemplar ?
Quem deu às ondas, que me inspiram medo,
As pérolas que tens no teu colar ?
Seria aquele Deus a cujos decretos
Nos roubaram meu pai e meus irmãos,
E para quem de joelhos sobre o leito
Ergo ao deitar-me as pequeninas mãos ?
"Foi esse, foi ! Vê tu como ele é grande,
Que tantos astros espalhou nos céus !
Que tantas jóias escondeu nos mares !
Vê tu como ele é grande, aquele Deus !"
Ó mãe, que linda noite ! Em noites destas
Eu sinto os anjos sobre mim passar :
Quem me dera também as asas puras
Que os voos sustentam pelo ar ! -
Estremeceu a mãe. Depois, convulsa,
Ao palpitante seio o filho uniu;
Rebentaram-lhe as lágrimas dos olhos,
E o menino a cismar nem mesmo as viu.
Nessa noite, ao deitar-se, o belo infante
Ergueu de novo as pequeninas mãos,
Mas quando o sol lhe penetrou no quarto,
Tinha partido em busca dos irmãos !
.
Guilherme Braga
.
.
OS PORQUÊS DO AMOR
Céu, porque tão convulso e consternado
Me bate, ao vê-la, o coração no peito ?
Porque pasma entre os beiços congelado
Indo a falar-lhe, o tímido conceito ?
Porque nas áures ondas engolfado
Da cautelosa trança, inda que afeito,
Me naufraga o juízo embelezado,
E em ternura suavíssima desfeito ?
Porque a luz de seus olhos, tão activa,
Por lânguida inda mais encantadora,
Me cega, e por a ver, ansiosa, clamo ?
Porque da mão nevada sai tão viva
Chama, que me electriza e me devora ?
Os mesmos meus porquês me dizem : - Amo !
.
José Anastácio da Cunha
.
.
A L E N T E J A N O
Deu agora meio-dia; o sol é quente
Beijando a urze triste dos outeiros.
Nas ravinas do monte andam ceifeiros
Na faina, alegres, desde o sol nascente.
Cantam as raparigas, brandamente,
Brilham os olhos negros, feiticeiros;
E há perfis delicados e trigueiros
Entre as altas espigas de oiro ardente.
A terra prende os dedos sensuais
À cabeleira loira dos trigais
Sob a bênção dulcíssima dos Céus.
Há gritos arrastados de cantigas...
E eu sou uma daquelas raparigas...
E tu passas e dizes : "Salve-os Deus !"
.
Florbela Espanca
.
.
Nota da Redacção :
.
Desta vez não se trata de um poema, mas de um texto em prosa que, por subscrever plenamente (muitos dos meus artigos "ISMOS", nos Blogs, apontam na mesma direcção), aqui transcrevo com a devida vénia ao Autor :
Picareta Escribante
.
.
GANHEI CORAGEM
"Mesmo o mais corajoso entre nós só raramente
tem coragem para aquilo que ele realmente conhece", observou Nietzsche.
É o meu caso.
Muitos pensamentos meus, eu guardei em segredo.
Por medo.
Alberto Camus, leitor de Nietzsche, acrescentou um detalhe
acerca da hora em que a coragem chega:
"Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos".
Tardiamente.
Na velhice.
Como estou velho, ganhei coragem.
Vou dizer aquilo sobre o que me calei:
"O povo unido jamais será vencido", é disso que eu tenho medo.
Em tempos passados, invocava-se o nome de Deus
como fundamento da ordem política.
Mas Deus foi exilado e o "povo" tomou o seu lugar:
a democracia é o governo do povo.
Não sei se foi bom negócio;
o fato é que a vontade do povo, além de não ser confiável,
é de uma imensa mediocridade.
Basta ver os programas de TV que o povo prefere.
A Teologia da Libertação sacralizou o povo
como instrumento de libertação histórica.
Nada mais distante dos textos bíblicos.
Na Bíblia, o povo e Deus andam sempre em direções opostas.
Bastou que Moisés, líder, se distraísse na montanha
para que o povo, na planície,
se entregasse à adoração de um bezerro de ouro.
Voltando das alturas, Moisés ficou tão furioso
que quebrou as tábuas com os Dez Mandamentos.
E a história do profeta Oséias, homem apaixonado!
Seu coração se derretia ao contemplar o rosto da mulher que amava!
Mas ela tinha outras idéias.
Amava a prostituição.
Pulava de amante e amante enquanto o amor de Oséias
pulava de perdão a perdão.
Até que ela o abandonou.
Passado muito tempo, Oséias perambulava solitário
pelo mercado de escravos.
E o que foi que viu?
Viu a sua amada sendo vendida como escrava.
Oséias não teve dúvidas.
Comprou-a e disse:
"Agora você será minha para sempre.".
Pois o profeta transformou a sua desdita amorosa
numa parábola do amor de Deus.
Deus era o amante apaixonado.
O povo era a prostituta.
Ele amava a prostituta, mas sabia que ela não era confiável.
O povo preferia os falsos profetas aos verdadeiros,
porque os falsos profetas lhe contavam mentiras.
As mentiras são doces;
a verdade é amarga.
Os políticos romanos sabiam que o povo se enrola
com pão e circo.
No tempo dos romanos, o circo eram os cristãos
sendo devorados pelos leões.
E como o povo gostava de ver o sangue e ouvir os gritos!
As coisas mudaram.
Os cristãos, de comida para os leões,
se transformaram em donos do circo.
O circo cristão era diferente:
judeus, bruxas e hereges sendo queimados em praças públicas.
As praças ficavam apinhadas com o povo em festa,
se alegrando com o cheiro de churrasco e os gritos.
Reinhold Niebuhr, teólogo moral protestante, no seu livro
"O Homem Moral e a Sociedade Imoral"
observa que os indivíduos, isolados, têm consciência.
São seres morais.
Sentem-se "responsáveis" por aquilo que fazem.
Mas quando passam a pertencer a um grupo,
a razão é silenciada pelas emoções coletivas.
Indivíduos que, isoladamente,
são incapazes de fazer mal a uma borboleta,
se incorporados a um grupo tornam-se capazes
dos atos mais cruéis.
Participam de linchamentos,
são capazes de pôr fogo num índio adormecido
e de jogar uma bomba no meio da torcida do time rival.
Indivíduos são seres morais.
Mas o povo não é moral.
O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo.
Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional,
segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade.
É sobre esse pressuposto que se constrói a democracia.
Mas uma das características do povo
é a facilidade com que ele é enganado.
O povo é movido pelo poder das imagens
e não pelo poder da razão.
Quem decide as eleições e a democracia são os produtores de imagens.
Os votos, nas eleições, dizem quem é o artista
que produz as imagens mais sedutoras.
O povo não pensa.
Somente os indivíduos pensam.
Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam
a ser assimilados à coletividade.
Uma coisa é a massa de manobra sobre a qual os espertos trabalham.
Nem Freud, nem Nietzsche e nem Jesus Cristo confiavam no povo.
Jesus foi crucificado pelo voto popular, que elegeu Barrabás.
Durante a revolução cultural, na China de Mao-Tse-Tung,
o povo queimava violinos em nome da verdade proletária.
Não sei que outras coisas o povo é capaz de queimar.
O nazismo era um movimento popular.
O povo alemão amava o Führer.
O povo, unido, jamais será vencido!
Tenho vários gostos que não são populares.
Alguns já me acusaram de gostos aristocráticos.
Mas, que posso fazer?
Gosto de Bach, de Brahms, de Fernando Pessoa, de Nietzsche,
de Saramago, de silêncio;
não gosto de churrasco, não gosto de rock,
não gosto de música sertaneja,
não gosto de futebol.
Tenho medo de que, num eventual triunfo do gosto do povo,
eu venha a ser obrigado a queimar os meus gostos
e a engolir sapos e a brincar de "boca-de-forno",
à semelhança do que aconteceu na China.
De vez em quando, raramente, o povo fica bonito.
Mas, para que esse acontecimento raro aconteça,
é preciso que um poeta entoe uma canção e o povo escute:
"Caminhando e cantando e seguindo a canção.",
Isso é tarefa para os artistas e educadores.
O povo que amo não é uma realidade, é uma esperança.
Rubem Alves
... colunista da Folha de S. Paulo ...
.
.
N A S C I M E N T O
A minha égua lazã
Teve uma linda cria,
Nascida ante-manhã,
Mal, ao de leve, despontava o dia...
Cá fora
Na placidez da hora enregelada e fria,
Silenciosa e deserta
A terra dormitava.
E pela porta aberta
Da velha estrebaria,
Um hálito de vida se escapava
E, como fumo, manso, se perdia.
Sombras de uma lanterna fraca
Dançavam, ágeis, na parede escura;
E brandamente,
Naquela luz opaca,
Tudo envolvia uma doçura quente.
Sobre a palha doirada,
Enquanto o sol aos poucos
Ia surgindo à porta,
A mãe jazia, agora descansada.
E a dois passos, imóvel e estirada,
A cria parecia ter nascido
Pra logo ficar morta,
O corpo já doído
Do trabalho da vida começada.
Venho assomar-me à porta,
A contemplar o meu amigo dia.
E o campo, todo branco da geada,
Brilha até onde a minha vista alcança...
E, infantilidade,
Ou despropositada poesia,
O nascimento, a hora, a luz do dia,
Dão-me um fecundo amanhecer de esperança.
.
Francisco Bugalho
.
. Quiz XLV
. Quiz LIV
. Quiz LII
. Quiz LI
. Quiz L
. Fotos que rimam
. www.fotosquerimam.blogspot.com
. TribruDragon