Sábado, 31 de Janeiro de 2015

Momento Poético

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Verde Pino, Verde Mastro :

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Não há flor do verde pino que responda
A quem, como eu, dorme singela,
O meu amigo anda no mar e eu já fui onda,
Marinheira e aberta!

Pesa-me todo este corpo que é o meu,
Represado, como água sem destino,
Anda no mar o meu amigo, ó verde pino
Ó verde mastro da terra até ao céu!

Soubera eu do meu amigo,
E não estivera só comigo!

Que onda redonda eu era para ele
Quando, fagueiro, desejo nos levava,
Ao lume de água e à flor da pele
Pelo tempo que mais tempo desdobrava!

E como, da perdida donzelia
Me arranquei para aquela tempestade
Onde se diz, duma vez, toda a verdade,
Que é a um tempo, verdade e fantasia.

Soubera eu do meu amigo,
E não estivera só comigo

Que sou agora, ó verde pino, ó verde mastro,
Aqui prantado e sem poderes largar?
Na mágoa destes olhos, só um rastro,
Da água verdadeira doutro mar

Soubera eu enfim do meu amigo,
E não estivera só comigo, em mim.

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Alexandre O'Neill

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caravela.jpg

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NelitOlivas

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Sexta-feira, 30 de Janeiro de 2015

Momento Poético

Aquela nuvem e outras :

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- É tão bom ser nuvem,
ter um corpo leve,
e passar, passar.

- Leva-me contigo.
Quero ver Granada.
Quero ver o mar.

- Granada é longe,
o mar é distante,
não podes voar.

- Para que te serve
ser nuvem, se não
me podes levar?

- Serve para te ver.
E passar, passar.

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Eugénio de Andrade

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E.A..jpg

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NelitOlivas

 

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Quinta-feira, 29 de Janeiro de 2015

Momento Poético

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Vagabundo do Mar :

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Sou barco de vela e remo
sou vagabundo do mar.
Não tenho escala marcada
nem hora para chegar:
é tudo conforme o vento,
tudo conforme a maré…
Muitas vezes acontece largar o rumo tomado
da praia para onde ia…
Foi o vento que virou?
foi o mar que enraiveceu
e não há porto de abrigo?
ou foi a minha vontade
de vagabundo do mar?
Sei lá.
Fosse o que fosse
não tenho rota marcada
ando ao sabor da maré.
É por isso, meus amigos,
que a tempestade da Vida
me apanhou no alto mar.
E agora
queira, ou não queira
cara alegre e braço forte:
estou no meu posto a lutar!
Se for ao fundo acabou-se.
Estas coisas acontecem
aos vagabundos do mar.

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Manuel da Fonseca

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mar.jpg

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NelitOlivas

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Quarta-feira, 28 de Janeiro de 2015

Momento Poético

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CINCO HORAS :

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Minha mesa no Café,
Quero-lhe tanto... A garrida
Toda de pedra brunida
Que linda e fresca é!


Um sifão verde no meio
E, ao seu lado, a fosforeira
Diante ao meu copo cheio
Duma bebida ligeira.


(Eu bani sempre os licores
Que acho pouco ornamentais:
Os xaropes têm cores
Mais vivas e mais brutais.)


Sobre ela posso escrever
Os meu versos prateados,
Com estranheza dos criados
Que me olham sem perceber...


Sobre ela descanso os braços
Numa atitude alheada,
Buscando pelo ar os traços
Da minha vida passada.


Ou acendendo cigarros,
— Pois há um ano que fumo —
Imaginário presumo
Os meus enredos bizarros.


(E se acaso em minha frente
Uma linda mulher brilha,
O fumo da cigarrilha
Vai beijá-la, claramente)


Um novo freguês que entra
É novo actor no tablado,
Que o meu olhar fatigado
Nele outro enredo concentra.


É o carmim daquela boca
Que ao fundo descubro, triste,
Na minha ideia persiste
E nunca mais se desloca.


Cinge tais futilidades
A minha recordação,
E destes vislumbres são
As minhas maiores saudades...


(Que história de Oiro tão bela
Na minha vida abortou:
Eu fui herói de novela
Que autor nenhum empregou...)


Nos cafés espero a vida
Que nunca vem ter comigo:
— Não me faz nenhum castigo,
Que o tempo passa em corrida.


Passar tempo é o meu fito,
Ideal que só me resta:
Pra mim não há melhor festa,
Nem mais nada acho bonito.


— Cafés da minha preguiça,
Sois hoje — que galardão! —
Todo o meu campo de acção
E toda minha cobiça.



Mário de Sá Carneiro
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M.S.C..jpg

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NelitOlivas

 
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Terça-feira, 27 de Janeiro de 2015

Momento Poético

Urgentemente :

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É urgente o amor
É urgente um barco no mar

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos, muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.
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Eugénio de Andrade
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barcos.jpg

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NelitOlivas

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Segunda-feira, 26 de Janeiro de 2015

Momento Poético

POEMA LXII :

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Bora lá! Despe-te dos teus afectos, dos teus medos
e torna-te um guerreiro combatente das desarmonias
com as quais o teu corpo e o teu espírito se revoltam.
A fada do dentinho já não anda por aí, será por isso
que sentes um vazio? Estás ansioso por recomeçar?
Até amanhã, então. Recomeçarás, na realidade,
a partir da realidade. Nada de rituais. Nada
de magia. Nada de transcendências.

Acreditar em ti já é um bom princípio. Se não
houver estrelas, não poderá haver guerra das estrelas.
Tudo é uma questão de probabilidades. E possibilidades.
Como o Vesúvio, que voltará a explodir nos próximos
cem anos. Mas são os pequenos detalhes que
te permitem interpretar melhor o mapa da vida.
Bons e maus, cínicos e generosos, egoístas e solidários,
rodeiam-te e ajudam a moldar o teu carácter, a tua
opinião, o teu comportamento. Terás de saber apenas
do que precisas, o que pretendes para ti.
Tens que ter vontade de ter vontade.

Bora lá!, aproxima-te e respira fundo
até oxigenares as tuas expectativas. E parte
para os desertos que ainda temes, consciente
de que o perfil das dunas se modifica a cada hora, mais
lenta mas mais seguramente do que as ondas do mar.
Qualquer que seja o caminho a seguir, deves
estabelecer as tuas prioridades. És excelente a analisar
as situações mas estás permanentemente a adiar
o plano A e a passar ao plano B. Precisas,
talvez de terapia. Tens de conhecer a natureza
do crime para encontrares o seu autor.
Enquanto desconheceres a tua vocação não deves
comemorar. Santos e pecadores são como peixes:
devoram e são devorados e todos são alimento
de terceiros. A desunião do cardume é
a força do armador.

Queres renovar as tuas energias? `Bora lá!
Não há tradição que resista. Entre portas astrais
procurarás os anjos que dançam sob a luz que respiras.
Estão sonâmbulos, acorda-os. Trá-los para a zona
das tuas emoções. O teu coração protege-te.
Cada experiência única é um contrabando. O que
não é possível obter senão de uma forma transgressiva.
As manhãs são uma revolta permanente contra
a noite, um bom dia às nossas esperanças. Se
te atreves a passar construirás caminho inverso às
ameaças, estarás a dar indicações ao teu futuro.
Se te surpreende a travessia, escreve a tua história,
uma aventura que não acaba pois para isso tem
de haver uma boa razão. Viver é emocionante
se não acertares o ritmo. Se saíres da lista de espera.
E se não souberes o que fazer, faz qualquer coisa.
Faz de conta que sabes. Não há magia nem
segredos. Tem confiança em ti.

Bora lá!,
faz uma boa proposta à vida que ela aceita!
Nunca estarás pronto para ser coisa alguma,
mas podes sempre ser o que quiseres, nenhum
projecto é impossível. E nenhum Deus te
poderá dizer: Estás enganado!

Não lutes contra a mentira toda, nem
no prolongamento conseguirias vencer, provavelmente
nem sabes o que sentes mas não batas à porta da
tristeza, há coisas importantes, coisas fantásticas,
coisas impensáveis pelas quais não tens
de pedir desculpa mas animar-te como se tivesses
bilhetes reservados para o espectáculo do século. Não
chegues cedo nem tarde. Chega, simplesmente. Vê
se estás lá, como uma surpresa, como um aniversariante
que para isso falta à própria festa. Mas faz por
merecer os parabéns!

Não te sintas um problema
para que não te tornes um problema.
O teu coração é um tambor que acompanha
o ritmo do canto da fénix, o seu apelo ao regresso
é a última palavra pacífica antes da ofensa.
Quando contemplas o mar raramente lhe vês o fundo,
assim são aqueles com quem divides a vida,
será então possível confessar a tua paixão, soltar
os pedaços das tuas emoções como se fossem
conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos...?

A clepsidra vai trocando a areia, vai trocando as voltas,
nunca será possível perder num sonho a moeda que
achaste na realidade, gasta-a contigo e agarra
o instante que chega como a borboleta, por
pouco que dure, conserva essa beleza, recorda-a
como recordam os amantes os mais rápidos e íntimos
momentos de felicidade. Alegra o teu coração,
os teus nervos, os pequeníssimos cristais
da tua carne.

Quando souberes envelhecer serás um jovem.
É esplêndido o que poderás fazer quando a manhã
romper e não lamentes nada quando acabar o dia.
O mais importante é sempre o que está para chegar.
Repara como aquela andorinha dirige orações ao vento
que a ajuda a partir e a encontrar o caminho de
regresso. Mesmo em dificuldade, faz como ela.
A vida é um eterno retorno.

Bora lá!

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Joaquim Pessoa

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J.P..jpg

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NeitOlivas

 

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Domingo, 25 de Janeiro de 2015

Momento Poético

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AMÊNDOA AMARGA :
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Port ti falo
E ninguém pensa
Mas eu digo
Minha amêndoa, meu amigo
Meu irmão
Meu tropel de ternura
Minha casa
Meu jardim de carência
Minha asa.

Por ti vivo
E ninguém pensa
Mas eu sigo
Um caminho de silvas
E de nardos
Uma intensa ternura
Que persigo
Rodeada de cardos
Por tantos lados.

Por ti morro
E ninguém sabe
Mas eu espero
O teu corpo que sabe
A madrugada
O teu corpo que sabe
A desespero

Ó minha amarga amêndoa, desejada.
(Ai minha amarga amêndoa, desejada.)

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José Carlos Ary dos Santos

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A.S..jpg

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NelitOlivas

 

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Sábado, 24 de Janeiro de 2015

Momento Poético

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 Fidelidade:

Diz-me devagar coisa nenhuma, assim
como a só presença com que me perdoas
esta fidelidade ao meu destino.
Quanto assim não digas é por mim
que o dizes. E os destinos vivem-se
como outra vida. Ou como solidão.
E quem lá entra? E quem lá pode estar
mais que o momento de estar só consigo?

Diz-me assim devagar coisa nenhuma:
o que à morte se diria, se ela ouvisse,
ou se diria aos mortos, se voltassem.

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Jorge de Sena 

J.Se.jpg

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NelitOlivas

 

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Sexta-feira, 23 de Janeiro de 2015

Momento Poético

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"Pedro, lembrando Inês" :

 
Em que pensar, agora, senão em ti? Tu, que
me esvaziaste de coisas incertas, e trouxeste a
manhã da minha noite. É verdade que te podia
dizer: «Como é mais fácil deixar que as coisas
não mudem, sermos o que sempre fomos, mudarmos
apenas dentro de nós próprios?» Mas ensinaste-me
a sermos dois; e a ser contigo aquilo que sou,
até sermos um apenas no amor que nos une,
contra a solidão que nos divide. Mas é isto o amor:
ver-te mesmo quando te não vejo, ouvir a tua
voz que abre as fontes de todos os rios, mesmo
esse que mal corria quando por ele passámos,
subindo a margem em que descobri o sentido
de irmos contra o tempo, para ganhar o tempo
que o tempo nos rouba. Como gosto, meu amor,
de chegar antes de ti para te ver chegar: com
a surpresa dos teus cabelos, e o teu rosto de água
fresca que eu bebo, com esta sede que não passa. Tu:
a primavera luminosa da minha expectativa,
a mais certa certeza de que gosto de ti, como
gostas de mim, até ao fim do mundo que me deste.
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Nuno Júdice

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Pedrinês.jpg

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NelitOlivas 

 

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Quinta-feira, 22 de Janeiro de 2015

Momento Poético

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Morrer de Amor :

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Morrer de amor
ao pé da tua boca

Desfalecer
à pele
do sorriso

Sufocar
de prazer
com o teu corpo

Trocar tudo por ti
se for preciso
.
Maria Teresa Horta
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amor1.jpg

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NelitOlivas

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